O quanto você responsabiliza seu passado pela pessoa que você é hoje?
Durante as férias, li um livro chamado “A coragem de não agradar”, de Ichiro Kishimi e Fumitake Koga. Acho que o título “autoajuda na escala máxima” foi uma estratégia bem-sucedida para alavancar as vendas (mais de 3 milhões de cópias já foram vendidas!), mas, na realidade, o livro é um pequeno apanhado - em linguagem simples e acessível– sobre as teorias do psicanalista Alfred Adler. A primeira coisa que achei interessante foi me dar conta de que não fazia a menor ideia de quem era Adler, mesmo sendo considerado um dos três papas da psicologia do século XX.
Posso ter cabulado alguma aula importante, porém não lembro de nenhuma menção às teorias de Adler nos meus dois anos de Psicologia na faculdade de Administração. Ouvimos muito sobre Freud e Jung, mas, por algum motivo ainda obscuro para mim, não me recordo de ter ouvido algo sobre Adler, a despeito de suas ideias interessantíssimas e que, na minha humilde e leiga opinião, parecem até mais atuais que as de seus contemporâneos. Adler chegou a trabalhar com Freud em pesquisas psicanalíticas, porém desligou-se por considerar o fator sexual superestimado por ele. E se pararmos para pensar, talvez hoje em dia essa ênfase tão grande na libido como força motriz da psique humana faça ainda menos sentido, considerando que não mais estamos em um contexto de repressão sexual, aliás muito pelo contrário. Já as teorias de Adler, pelo menos as abordadas nesse livro, parecem feitas sob medida para os desafios e para as questões do mundo moderno.
Diferentemente de Freud, Adler não considera os traumas do passado como determinantes para os comportamentos do presente. Na psicologia adleriana, os objetivos e a finalidade é que irão moldar nossas ações e comportamentos no momento presente. Então, sob essa perspectiva, o indivíduo muda não quando identifica os fatos ou fatores do passado que possam justificar uma determinada personalidade ou comportamento, mas sim quando desenvolve a coragem de dar novo sentido às experiências e escolher novos estilos de vida para si próprio. Por isso, a psicologia adleriana é a psicologia da coragem.
Além da coragem, Adler coloca bastante foco nas relações interpessoais, deixando de lado as questões existenciais! Para ele, as relações interpessoais são o grande centro de todos os nossos problemas (e de nossas alegrias)! E sob este olhar, achei interessantes alguns caminhos que sugere para o aprimoramento das relações. Um deles é o que chama de “divisão de tarefas”: ocupar-se com aquilo que lhe cabe e não com as “tarefas” dos outros (há que ler “tarefa” como um conceito mais amplo, que inclui também as expectativas). Parece fácil, não? Mas na prática o que mais vemos é um emaranhado enorme de “tarefas”. As pessoas já nem sabem mais o que é de cada um. Uma coisa é o encorajamento, o respeito, o amor, e outra bastante diferente é assumir para si a “tarefa” de outra pessoa. O livro aborda – apesar de muito superficialmente – diversos outros conceitos super interessantes da teoria de Adler como, por exemplo, a importância do sentimento de comunidade, e mesmo que o livro de Kishimi e Koga esteja desconectado da promessa do título, acho que vale a pena para conhecer um pouco das ideias de um dos precursores da psicanálise moderna, e aguçar a curiosidade para entendê-las mais.
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