Andrea Bartelle, Ativista, Empreendedora Social e Com um Lugar na ONU
Quando você se casa e muda de cidade é esperado que você comece a organizar a sua vida no seu novo habitat, arrumar a casa, contratar gente e conhecer o território, tipo a farmácia e a padaria mais próxima. No caso da Andrea Bartelle, a primeira coisa que ela fez quando se mudou para Porto Alegre depois de se casar foi procurar uma ONG para ajudar. Isso diz muito sobre o que ela faz hoje em dia, 14 anos e 3 filhos depois.
Conheci a Andrea em uma tarde na SP Arte deste ano tirando uma foto na frente da maior tela do Roy Lichestein que eu já vi. Temos algumas amigas em comum e foi um encontro muito legal, é uma delicia conversar com ela e conhecer o dia a dia lindo que ela tem. A Andrea faz um trabalho social incrível e marcamos uma bate-papo.
Era uma manhã bem fria de Junho, cheguei no escritório do We Work (ela divide o espaço com o marido, Alessandro) com meu uniforme: jeans, sweater, booties e cara lavada. Encontrei com a Andrea que usava um look all black, calça de couro, casaco de tweed e um salto de provavelmente 10cm, linda e maquiada para enfrentar todos os compromissos do dia, uns três ou quatro, todos com gente que ela ajuda a mudar a vida de alguma forma.
A gente fez um tour pelo We Work (na verdade a gente se perdeu) e sentamos para conversar em uma sala de esquina, que deve ter uma vista linda, especialmente reservado para esse chat.
Construindo a Carreira
A Andrea sempre curtiu moda, mas percebeu logo no começo que não seria fazendo faculdade de moda que poderia aplicar aquilo que curtia na indústria fashionista. Super comunicativa, didática e muito focada, ela começou a carreira com gestora de telemarketing em uma época que esse tipo de estratégia de vendas e marketing estava começando no Brasil com as multinacionais entrando no mercado de forma bem agressiva e com foco em resultados. Com 18 anos ela já comandava cargos de liderança coordenando um time grande e respondendo para executivos de empresas como Telefônica.
A carreira estava avançando rápido, ela era super responsável e determinada, mas quando fez 20 anos deu aquela vontade de ser mais livre e curtir um pouco ser jovem. Pediu demissão e foi para a Califórnia melhorar o inglês e ter contato com outras culturas. Na turma dela tinha gente de todos os cantos do mundo, menos brasileiros (sentiu o nível do foco?) O único brasileiro que ela deixou se aproximar foi o Alessandro, que por um tempo achou que ela era italiana, porque só falava em inglês com ele. Eles voltaram para o Brasil namorando, ela morando em São Paulo e ele em Porto Alegre.
Se Fortalecendo
Chegando aqui ela voltou para o mercado, trabalhou para uma multinacional francesa de teleperformance. Ela tinha clientes como Motorola e Microsoft, e assumiu uma gestão de implantação de projetos coordenando equipes que não respondiam diretamente para ela mas que estavam envolvidas nos projetos que ela tinha que entregar. As reuniões eram tensas, principalmente nas entregas de relatórios que ela preparava para apresentar para os executivos de fora. Como uma menina de 22/23 anos, ela precisava ser super madura e disfarçar qualquer desconforto, era tanta pressão que um dia chegou a passar mal em um elevador antes de entrar em uma reunião que ela sabia que seria difícil.
Ela conta que ficar exposta a esse ambiente corporativo com executivos do mundo todo que eram "super straight to the point" nas reuniões, a preparou para enfrentar a realidade de quem trabalha com pessoas vulneráveis. "Isso foi positivo, porque existe uma grande informalidade no setor onde eu trabalho. Hoje é diferente, não é a pressão o meu problema, é a realidade. Então tive que aprender a lidar com essa dificuldade, fiquei mais casca grossa."
Mudança de Vida
Depois que ela se casou (com o Alessandro) e foi morar em Porto Alegre, resolveu voltar para a moda. Foi estudar em Caxias do Sul. Com o raciocínio focado em performance, ela foi atrás da coordenadora do curso para saber quem tinha prosperado na faculdade, em termos de resultado, para ter uma perspectiva do que fazer. A coordenadora falou da Anne Anicet e de sua mãe Evelise Anicet Rüthschilling, que tinham um trabalho de design de superfície maravilhoso, mas com a gestão pouco desenvolvida. Pouco tempo depois a Andrea e a Anne viraram sócias e criaram o Studio Surface. "A mãe da Anne tinha uma pesquisa de polímeros (entretela de roupa, trabalho de superfície), quando ninguém falava em economia circular, de reaproveitamento de material, elas já faziam”
Ela e o marido se mudaram para São Paulo e quando engravidou, Andrea resolveu dar um break do trabalho com o Studio Surface, para ser mãe full time, mas o trabalho voluntário acabou tomando um formato muito maior. "Eu tinha mais tempo, porque estava mais com as crianças e aí comecei a me dedicar mais ao trabalho voluntário. Quando você se envolve nesses projetos, nunca é muito distante de quem você é na essência - então eu levei profissionalização. É assim que eu acabo me envolvendo, na gestão".
Trabalho Voluntário - Getting the Job Done
"Eu tenho um grupo de oração, na casa da Isabella Fiorentino (o mesmo da Stella Jacintho que a gente entrevistou aqui), e a gente escolhe uma beneficiária para os eventos que o grupo organiza. O grupo é formado por mulheres do bem que querem fazer o bem. A gente começou a ajudar outras ONGs e fui percebendo que faltava organização em todas essas atitudes de voluntariado, que são incríveis. As pessoas querem ajudar, o que é maravilhoso, mas brasileiro tem uma característica muito assistencial. Se acontece uma catástrofe, todo mundo manda roupa e comida, mas não tem logistica e estratégia para distribuir isso".
A minha grande mentora é a Mônica de Roure (VP) que fica no Rio de Janeiro, quero ser como ela quando eu crescer.
AS ONGS
A Andrea atua na gestão de algumas ONGs trabalhando diretamente com a diretoria. Na AFESU - uma das ONGs mais sólidas e sérias do Brasil, ela atua na formação de mulheres transformando a vida delas e das famílias.
Hoje ela também faz parte da Brazil Foundation, uma instituição que atua identificando e apoiando iniciativas que possam mudar a vida das pessoas pelo Brasil. Basicamente eles acolhem ONGs que tenham um trabalho de impacto, como um hub. "Eu fui convidada pela Brazil Foundation. Cheguei em um café da manhã, achando que era para um café para várias pessoas mas era só pra mim. Eu estava sendo indicada para trabalhar com eles por uma amiga, foi muito especial. A fundadora da Brazil Foundation, Leona Forman, fica em NY, ela tem um fundo que administra a ONG e o que me encanta demais, é que os projetos não são assistenciais, eles são transformadoras. São projetos muito bons, é pré-requisito ser um projeto transformador. Quando eles abrem o edital, diversas ongs (mais de 1000) se pré-candidatam para serem escolhidos pela Brazil Foundation para receber apoio financeiro e de gestão durante um ano, e depois desse um ano, eles continuam sendo apoiados, agora pela bolsa de valores de São Paulo. A bolsa criou um braço social, é uma coisa silenciosa que está crescendo, já existem investidores sociais, não é mais amadorismo para fazer caridade".
Sobre Ter o Melhor Trabalho do Mundo
"O Anthony, meu filho, fala que eu tenho o melhor trabalho do mundo. Não existe coisa melhor do que ajudar o próximo, não existe. E isso me ajuda a educar meus filhos, você não desassocia mais. Todo meu histórico me ajuda a trafegar em qualquer ambiente. Se eu tiver que entrar na favela ou captar para um evento do high do high, eu vou lá e entrego. Eu gosto de fazer os links, não gosto de estar só lá em cima e não ver o que está acontecendo lá embaixo ou ficar tão desconectada do resultado. Eu gosto do processo completo, de ver onde os recursos estão sendo aplicados e quais os resultados disso.
Eu também fico muito envolvida com o gala da Brazil Foundation. Conseguir prêmios para o leilão, organizar, fazer acontecer - eu uso sempre aquela fórmula de ser orientada por resultado. Eu gosto de contar esta história: de ter mudado o peixe servido no último gala pelo Fasano por outra espécie que fez uma diferença enorme no orçamento e você consegue quase assistir um projeto a mais. O aproveitamento de recursos é muito maximizado - eles recebem uma quantia que não é um absurdo mas é muito bem aplicado.
Ano passado, o fundador de um projeto que a gente apadrinhou, ganhou o prêmio de empreendedor social do Estado de SP. É um projeto que vai nas cidades ribeirinhas para fazer óculos para a população carente - é tudo moóvel, eles fazem o exame e já sai o óculos pronto. Ele vai devolvendo para a família a vida, para um menino que subia na árvore poder ver o plantio e da costureira que voltou a trabalhar e ajudar na casa. O que é importante para Brazil Foundation é o impacto, precisa fazer a diferença para sociedade.
Também estou na Make a Wish - é uma ONG que ajuda crianças em uma situação muito delicada, com risco de vida. E muitas vezes através dos sonhos que eles realizam, eles ganham força".
Chegando na ONU
She did it. Ela chegou na ONU chamando a atenção pela capacidade transformadora de gestão e comprometimento. "Vou fazer parte de um comitê mobilizador da ONU e vou poder participar da agenda deles, ajudando na causa do refúgio no Brasil". Isso porque ela também atua com uma ONG que ajuda refugiados. "No meu trabalho eu consigo fundir as coisas, consegui levar a Afesu para a Brazil Foundation. Eu também estou no conselho da IKMR, que é uma beneficiária da Acnur - a agência de refugiados da ONU. Eles são auditados e recebem um valor para manutenção. Existe um projeto de cura emocional para as crianças, é um projeto lindo com refugiados de 12 países (angolanos, paquistaneses, sírios, etc) não existe diferenças de raça nesses grupos"
Um Novo Projeto
Sabe aquela dúvida que todo mundo tem em algum momento, quer ajudar e fazer algo pelo próximo mas não sabe como e nem por onde começar? "Eu to com um projeto para facilitar empresas a ajudar ONGs. Eu convivo com muita gente que quer ajudar, mas não sabe como. As pessoas pedem uma indicação de uma coisa séria. A minha dica é começar pelo o que que você gosta, sempre. Mas a minha ideia é fazer isso com as pessoas jurídicas, não mais as pessoas físicas. Eu quero emocionar e mobilizar de forma verdadeira".
Trabalho voluntário mexe muito com vaidade. No judaísmo por exemplo, a maior caridade é aquela feita sem assinatura, sem que ninguém saiba quem foi que fez, ela também precisou aprender a lidar com isso. "Acabado me aproximando de celebridades e tem muita vaidade envolvida, mas eu não to preocupada com isso. Meu papel não é julgar e se a motivação da celebridade não for um propósito puro e o resultado for o mesmo, vambora".
Transformando o Voluntariado no Brasil
O que eu mais aprendi com o meu encontro com a Andrea foi entender a diferença entre trabalho assistencial e trabalho de resultado, de impacto, que realmente tem capacidade de mudar a vida das pessoas. Eu adorei contar esta historia.