A Noite de Oscar em que Eu Encontrei o Meu “Self Respect”, by Cami Cilento
Passei as últimas duas semanas pensando sobre o tema do The Lolla desse mês: respeito próprio. E estava prestes a escrever um texto prático contando como aprendi a dizer e vocalizar a palavra “não”. Parece algo simples e fácil de ser feito, mas vocês ficariam surpresos se parassem para refletir o quão difícil é de se dizer “não” com propriedade. Iria além: acho que culturalmente nós brasileiros não temos o costume de falar não. É mais fácil dar uma desculpa elaborada ou simplesmente deixar no ar do que sustentar um convicto não.
A palavra não para mim tem uma relação direta com colocar limites, e colocar limites tem a ver com o respeito próprio. Sustentar um não é um exercício de respeito aos seus próprios limites e aprender a se respeitar é uma das coisas mais belas que conquistei durante os meus 30 anos.
No entanto, o meu texto sobre limites e “nãos” morreu quando uma coisa muito curiosa aconteceu no último aniversário do meu filho. Nesse dia percebi que o conceito de respeito próprio ficou muito mais complexo quando uma criança entrou na equação. Agora não só eu tenho que me auto respeitar, mas também tenho que assegurar que o meu filho está sendo respeitado. Se eu levei 30 anos para aprender a impôr os meus limites, eu não esperaria que uma criança saberia fazê-lo do alto dos seus 3 anos. Então faz parte do meu papel de mãe me certificar que estou levando em consideração o meu rebento quando estou delimitando o nosso espaço. Leiam bem: o “nosso” espaço. E é aí que o conceito de respeito próprio começa a ficar tão complexo quanto cinzento.
Pensando sobre isso me lembrei de uma história da minha adolescência. Quando eu tinha 14 anos fui convidada junto com a minha mãe e irmã para uma festa de 15 anos de um glamour sem igual. Naquela época havia uma moda em São Paulo de se transformar essas comemorações em uma festa à fantasia. Nos meses anteriores já tinham acontecido inúmeras festas com os temas mais diferentes: festa da floresta, festa do sobrenatural, festa dos anos 20... Eram produções elaboradas, festanças para muito mais do que 300 pessoas, nos clubes e casas de festa mais exclusivas da capital paulistana.
Voltando ao convite em questão, a tal festa tinha um tema hiper divertido: o Oscar. Eu não estava mais na mesma escola da aniversariante e a conhecia de quando estudamos juntas no começo do primário. Minha mãe organizou para que eu visitasse uma loja de fantasias e encontrar uma estrela hollywoodiana para encarnar. Eu me encantei com uma fantasia de Hera Venenosa, personagem imortalizado pela Uma Thurman em um filme do Batman que tinha sido lançado no ano anterior. A peruca ruiva e longa era o simplesmente o máximo e o vestido da tal fantasia era perfeito para a celebração black-tie.
Eis que o dia da festa chegou e lá fui eu para a festa na companhia da minha mãe e irmã (que por sinal no mesmo espírito do Batman tinha escolhido uma fantasia de Mulher Gato). Chegamos ao local da festa e uma horda de fotógrafos batia nas janelas do carro para capturar a chegada das celebridades. Hoje vejo isso como um exagero, mas do alto da minha maturidade avançada de 14 anos estava achando tudo isso simplesmente o máximo: a mãe da minha amiga tinha pensado em tudo para nos fazer entrar no clima e até os paparazzis ela tinha contratado.
A minha empolgação porém não durou muito. Assim que o carro parou em frente ao tapete vermelho e eu abri a porta, senti no ar um profundo desconforto de todos ao meu redor. A minha encarnação de Hera Venenosa com os pés calçados com um mule de seda verde que eu mesma havia tingido no quintal de casa e enfeitado com heras roubadas do jardim tão logo pisou no tal tapete e já percebeu o tamanho da coincidência infeliz. Logo ali, no final do tapete vermelho a aniversariante estava linda e plena cumprimentando os seus convidados também vestida de ninguém mais nem menos que a Hera Venenosa. Eu simplesmente congelei de tanta vergonha: não poderia supor que a minha amiga teria escolhido o mesmo personagem para a sua celebração. Peguei minha mãe pela braço, corri para o banheiro e comecei a retirar todo e qualquer vestígio que as heras venenosas poderiam ter deixado na minha figura. Sob protestos da minha mãe, ali naquele banheiro glamuroso coberto de mármore, eu estava desenhando o meu limite.
Foi tambem ali naquele banheiro frio que eu aprendi que o respeito próprio da minha mãe estava esbarrando no meu. O fato é que na semana anterior à festa a minha mãe encontrou com a mãe da aniversariante. Entre cafézinhos e fofocas minha mãe contou sobre a minha escolha. E a mãe da outra Hera na mesma hora falou que sua filha tinha escolhido o mesmo personagem, alertando a minha mãe que ainda estava em tempo de eu escolher uma outra fantasia. Ela ainda acrescentou que o vestido estonteante de sua filha tinha sido desenhado por um designer e que a minha fantasia saída do fundo de uma loja mequetrefe de aluguel de fantasias nunca iria chegar aos pés do tal vestido assinado. E foi ali naquele momento que o respeito próprio da minha mãe passou na frente do meu.
Assim como eu contei, eu não estudava na mesma escola que todos os outros convidados, então não recebi o memo da escolha da aniversariante. Sem a menor suspeita em relação ao empenho extra da minha mãe de fazer a minha hera “não assinada” ser tão estonteante quanto possível, eu entrei no exercício do respeito próprio da minha mãe sem nem saber.
Ali no calor do momento arranquei tudo, coloquei a peruca na chapelaria e curti a festa como se não houvesse amanhã. Tomei a decisão de que não ia deixar de aproveitar a tão esperada festa. Vestida apenas com um longo verde de fenda com nenhuma hera à vista eu dancei. No dia seguinte, passada a raiva maior, na mesa do café da manhã pedi para a minha mãe nunca mais me deixar no escuro e tomar uma decisão executiva por mim.
Já tinha deixado essa memória no fundo do meu baú de jovens memórias, até que chegou o último aniversário do Benji. Eu tomei a decisão executiva de não convidar uma família de amiguinhos dele pois eu tinha ficado chateada com um comentário maldoso da mãe das crianças. No dia da festa, que aconteceu em um parque público da cidade, o casal de amiguinhos também estava lá aproveitando a linda manhã de domingo. O pai das crianças claramente percebeu que não havia as convidado, mas o Benji e as crianças sem saberem do meu exercício de respeito próprio, logo saíram para brincar juntos. Meu filho entregou chapéus de bombeiro e brinquedos de água para ambos e curtiu com eles a sua amizade que nada tinha a ver com o meu respeito próprio. E eu ali naquela manhã quente de primavera me lembrei da finada Hera.
Tomei uma decisão baseada em um motivo adulto que a ingenuidade do meu filho desconhece, e o meu respeito próprio tropeçou no respeito próprio dele assim como a minha mãe fez naquela noite estrelada do Oscar. E ele assim como eu, instintivamente, escolheu como curtir a sua festa, sem pensar no meu orgulho e sem nem perceber a minha decisão, e sinceramente foi lindo de ver. Percebi quão interessante os próximos anos serão lutando para que os meus interesses e impulsos não esbarrem nos do meu filho. O exercício do meu respeito próprio vai ser muito mais complexo do que quando a única entidade que eu tinha que respeitar era a mim mesma. It will be be fun to watch.
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