Mães Paralelas, a Guerra Civil Espanhola e 2 Livros para Ler
"Está na hora de você saber em que país mora. Parece que a sua família não te contou a verdade sobre o país. Há mais de 100 mil desaparecidos, enterrados por aí, em valas e perto de cemitérios."
No novo filme de Almodóvar, Janis (Penélope Cruz) lembra a jovem Ana (Milena Smit) que a memória do fascismo espanhol permanece viva e que a guerra ainda NÃO terminou enquanto netos e bisnetos das vítimas da guerra não puderem achar os desaparecidos e dar à eles um enterro digno, como prometido às suas mães e avós.
Eu assisti Mães Paralelas (Netflix) na semana passada e não pude deixar de pensar na guerra que está acontecendo na Ucrânia e nas vítimas, nos desaparecidos e nas promessas que serão cobradas no futuro. Uma guerra marca a memória de um povo, de uma nação inteira, deixa feridas profundas, e talvez, como Janis diz no filme, nunca de fato termine.
Não pude parar de pensar na existência das guerras em geral e te todo o sofrimento que as gerações futuras também vão viver. Não é sobre o agora apenas, e talvez o tempo futuro nunca seja de fato pensado num momento de crise, mas ele existirá e será duro. A ditadura de Franco e a Guerra Civil Espanhola (1936 e 1939) permanece viva no coração da população espanhola até os dias de hoje. Como será a memória das famílias na Ucrânia daqui 80 anos?
Para quem tem interesse em se aprofundar sobre o tema, o filme me lembrou de dois livros sobre a Guerra Civil na Espanha, um é um romance e o outro jornalístico. Espero que gostem das indicações.
A Praça do Diamante, de Mercè Rodoreda
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Maravilhoso, fluído e de uma sensibilidade extrema. Não dá para falar pouco desse livro. Amo romances com pano de fundo histórico porque você passa a entender o fato a partir do subjetivismo humano e no caso deste livro, pelo olhar e voz de uma mulher que viveu a guerra civil espanhola.
Tudo começa e termina na "Praça do Diamante", no popular bairro de Gràcia, onde Colometa chega um pouco contra a vontade,” vestida de branco da cabeça aos pés ... como um gole de leite”. E é aí que Quimet, um jovem de olhos brilhantes dança com ela e decide que dentro de um ano Colometa se tornaria sua dama e sua rainha. Quimet é mal-humorado, inquieto, dominador e machão. Ele é abusivo. Mesmo assim, Colometa se casa com ele e da união nascem dois filhos.
O evento histórico da guerra civil é muito importante, mas permanece em segundo plano e vivemos o cotidiano de Colometa, que em sua simplicidade não tem consciência política: a guerra destrói seus sonhos. A protagonista vive o drama da perda, da miséria, da tragédia sem uma gota de melodrama. A narrativa parece um longo monólogo quase falado em mais de 200 páginas. É um fluxo de consciência que pode lembrar Virginia Woolf. Colometa não é, no entanto, a intelectual refinada, mas uma mulher simples de cultura pobre, expressão de uma consciência popular. E assim, partindo do olhar dessa mulher ingênua, de quem você reúne toda a sensibilidade e sua inocência dramática, você se envolve em uma história comovente, lírica, difícil.
A Árvore de Gernika , de G.L.Steer
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Combatendo ao lado dos bascos, o jornalista e correspondente de guerra G.L. Steer acompanhou de perto a batalha vencida pelo General Franco que originou a Guerra Civil Espanhola. A matéria do jornalista, que descrevia o bombardeio de Gernika (no País Basco) em abril de 1937, alertou o mundo para o que estava ocorrendo na Espanha e os crimes de guerra e, foram seus escritos que motivaram Pablo Picasso a realizar uma de suas obras mais conhecidas ("Guernica", coleção permanente do Museu Reina Sofia em Madri).
O contexto histórico nos ajuda a entender os movimentos separatistas e protestos que ocorrem até o dias atuais na Espanha. Para quem não sabe, após a vitória de Franco na guerra, instaurou-se a ditadura por toda a Espanha, incluindo as regiões autônomas, que viveram sob repressão por décadas, até o final da década de 1970, quando uma nova carta constitucional estabeleu um governo democrático.
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