Como o Instagram mudou nossa relação com momentos

  Picnic at Hanging Rock  (1975)

A primeira vez que viajei para fora já existia a câmera digital. Eram daquelas que vc apertava por 3 segundos antes de bater a foto, ainda não tinha aquela facilidade do celular que com um click é possível fazer uma sequência com inúmeros quadros. Era uma Canon, não esqueço. E naquela época as câmeras ainda usavam pilhas, ou seja, a gente também não ficava tirando muitas fotos ou admirando muito por conta da autonomia delas. O máximo que fazíamos era tirar uma foto com e uma sem flash quando estávamos em ambiente escuro e, mesmo assim, voltávamos de viagem com 1.500 fotos, contra as 180 que teríamos em rolo fotográfico, por exemplo.


Os tempos mudaram, a tecnologia também. Hoje em dia data analysis está em voga e o Instagram é até mesmo usado para pesquisas acadêmicas relacionadas à turismo, urbanismo e poder de atração de pessoas, isso tudo com uma análise de fotos postadas no aplicativo. É possível até descobrir o ponto mais visitado para fotos ou a hora do dia que as pessoas preferem visitar o local.

Já em outro site li que se compararem todas as fotos do Instagram percebe-se uma padronagem na qual é possível chegar a um número bem limitado de imagens que são reproduzidas de diferentes formas. Isso me leva a seguinte pergunta: como vc tem visto o mundo em suas viagens?! Você admira, espera, inspira, ou logo o vê enquadrado pela sua tela do smartphone? Tenho uma prima que mora no Japão e em um post no instagram esses dias, disse que ficou esperando 15 minutos para fazer aquela foto, mas que fez como pôde e logo foi embora, no entanto comentou sobre pessoas que esperavam horas para terem a foto perfeita.

Na minha primeira viagem, lembro da minha mãe falando: “vamos logo porque temos muito a ver ainda”. Existia uma pressa por saciar aquela curiosidade de conhecer o local que tanto esperávamos. Em uma das últimas, quando meu irmão foi me visitar, lembro que eu falava: “vamos logo”, ele retrucava: “mas você não quer uma foto bonita?” meu irmão é desses que fazem mágicas, conseguem transformar a Brooklyn bridge num cenário que parece ter sido fechado só pra mim. Não vou mencionar viagens com amigos fotógrafos, essas são as melhores porque eles fazem mágica sem a gente perceber.

Sabe, As vezes me pego receosa sobre o tempo que perdi tentando fazer uma foto no mar do azul mais incrível que já vi, tenho vergonha de contar, mas talvez tenham sido 60 tentativas e a que eu mais gostei foi uma espontânea quando fui pega de surpresa por uma pequena onda. Tem também uma outra que fiquei chateada porque o look não estava perfeito para a foto.  Uma vez, ao procurar sobre o destino enquanto planejava uma viagem, encontrei a venda um “guia para a foto perfeita” com dicas dos locais exatos nos quais se poderia tirar uma foto idêntica ao do guia de turismo. Então pergunto: cadê a autenticidade? Cade as fotos realmente espontâneas com ruguinhas no sorriso ou aquelas que nos pegam de jeito quando estamos emocionados, seja diante de uma obra de arte ou rindo de algo que vimos acontecer com as pessoas ao lado? Qual o problema se aparecer alguém no fundo? E se você repetir uma roupa?

Acredito que em grande parte a culpa disso seja do Instagram. Dessa coisa frenética de postar no exato momento, ou de ter o clique perfeito porque senão perde-se o timing. Quantas vezes viajei e fiquei sem bateria no lugar que acabou se tornando o mais legal da viagem? Exemplo disso aconteceu recentemente. Estava num local que não esperava ir e nele vi um pôr do sol dos sonhos. Ficar sem bateria também me levou numa grande aventura que culminou numa amizade que carrego com carinho. Tem coisas que nem a melhor câmera é capaz de captar: aquela sensação de estar presente. Veja, sou super a favor das câmeras e fotos, e o Instagram é a minha rede social preferida. Só me questiono em que lugar ficaram as fotos que não são perfeitas. As fotos que a gente pega e simplesmente sorri ao invés de falar: “nossa, tirei 58 para escolher essa e postar”. Fotos são excelentes complementos para nossas memórias. Fotos nos ajudam a compreender os lugares, complementar um panorama que muitas vezes é tão amplo que nossos olhos se perdem.



Minha foto preferida da minha primeira viagem internacional é uma foto que seria impublicável no instagram, simplesmente porque não tem uma estética correspondente com o que as pessoas esperam na rede,, mas ela reflete um momento tão maravilhoso! Estou numa daquelas ruelas italianas, sentada numa cantina diante de um prato de massa que eu não gostei, mas eu estou com o sorriso mais largo que já esbocei, numa época que eu não sorria muito porque era muito séria. Pense em quantas fotos poderíamos ter sem nos preocupar em reproduzir algo que vimos porque ficaria lindo no insta. Sabe, isso vale não apenas para fotos de viagem mas para a vida também. Estou há uns dias num detox do instagram, parte de um processo no qual quero ter mais tempo offline do que online, e percebi que algumas fotos são quase que disfuncionais sem o aplicativo, fotos que às vezes tiramos para um story. Adoro ler livros de arquiteto que viajavam, as fotos me encantam. Se seriam instagramáveis? Não sei, mas me fazem refletir sobre as minhas e as que vejo pelas redes e me pergunto sobre o real significado de algumas delas, e o tempo que passamos em busca do clique perfeito enquanto poderíamos estar apreciando o nascer do sol e lembrar da música que tocava naquele momento, a paisagem ou a companhia. Simplesmente estando presentes e atentos ao momento. Soa como medição aplicada a vida e talvez seja. Viver mais desconectados e com mais leveza e expondo nas redes uma vida mais real e menos milimetricamente pensada.




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