Você é do Tipo Adequada? Que se Veste Para a Ocasião ou Muda o Vocabulário Quando o Assunto é Mais Cult?
Sou apaixonada por filmes antigos, óperas, ballet e música clássica. Óbvio que isso tudo encontra espaço em meio à um pop dos anos 90/00, um bom romance bobo daqueles que lia quando adolescente e comédias românticas nas quais os personagens correspondem à todos os clichês possíveis. Há um tempo, revirando o Netflix, encontrei um filme com Jane Fonda e Robert Redford chamado: Descalços no Parque. Sobre um casal recém casado: um advogado certinho e uma moça de espírito livre. O que mais me chamou a atenção não foi os autores e sim o título da obra. Ambientada em Nova York, o parque no qual Redford andava descalço era o Washington Square Park, salvo engano.
A cena é curta: ele, bêbado, joga seus sapatos para o alto e proclama com felicidade: “Estou descalço no Parque”. Insinuando que a Jane Fonda caberia agora papel de “certinha”, uma vez que a mesma estava no Parque usando sapatos. Eu sempre fui muito “certinha”… confesso que ainda seja, um pouco, sempre tomando cuidado com a vestimenta certa, o vocabulário apropriado. Para mim era inconcebível andar descalça num parque em Nova York com uma temperatura de dois graus - tenho pavor de passar frio, mas a cena em si, era como um ato de liberdade, se desprender de todos os códigos e poder andar livremente no parque sem pensar no julgamento alheio.
Em uma das minhas primeiras visitas ao arquivo do MoMA, em Nova York, resolvi caminhar pelo Central Park para ver a folhagem de outono, apesar de já ter visitado a cidade na estação ainda não havia presenciado a mudança de cores da estação. Era bem cedo quando saí do lugar onde estava hospedada e atravessei a rua para ir ao parque. Não aguentei dar dois passos sem perceber que meus pés sofriam dentro do calçado que havia colocado, tive uma reação alérgica durante a noite e meu corpo estava todo inchado. Tomei um antialérgico mas soube que até esperar o efeito passar, teria de encontrar uma forma de sair daquela situação. Andei mais um pouco com meus pézinhos doloridos, quando vi que não teria mais jeito. Peguei minhas havaianas e calcei. Eu, que nunca tinha ido nem ao mercado de havaianas estava usando-as no Central Park num frio de 6 graus. Nunca fiz uma caminhada tão bonita pelo parque. As folhagens, as cores, tudo me fazia apreender o momento e esquecer de todo o resto. E a sensação de estar “quase-descalça” era libertadora, assim como a do personagem no filme.
Algo característico de Nova York é que as pessoas estão tão ocupadas com suas vidas, que elas se esquecem de reparar nos outros ao seu redor. Parei para tomar um café na boathouse, calcei os sapatos novamente e fui trabalhar.
Não minto que enquanto analisava alguns arquivos, desejei fortemente estar descalça no MoMA, mas existem limites que não podemos ultrapassar.
Uma vez minha professora de português na oitava série falou que o vocabulário, assim como o guarda-roupa tinha a ocasião certa para ser usado: “Ora, não usamos uma vestimenta simples para ir à Ópera” ela dizia, “Portanto devemos ter um vocabulário apropriado para cada situação da vida, assim como as roupas”. O que eu nunca imaginava é que quase quinze anos mais tarde, após andar de chinelos no parque eu não deixaria de ir à Ópera em Chicago por estar usando tênis e estar sem maquiagem, após um longo tour arquitetônico pela cidade. Enquanto para ir ao Met Opera, anos antes, eu cuidei de cada centímetro do outfit, imaginando a foto na icônica escada vermelha. Naquela noite, ao ouvir Cedrillon do lado de fora da Lyric Ópera, eu nem reparei na roupa que vestia, me contentei com o assento que consegui e, por não me limitar, tive uma experiência maravilhosa. Sabe, as mesmas sapatilhas pretas, à la Audrey Hepburn, que tirei no Central Park, estavam em minha mala em Chicago esperando por uma ocasião como essa. Irônico pensar que eu veria Cinderella de tênis, ao invés de um sapato como o dela. A verdade é que a gente nunca está cem por centro pronto para o que podemos encontrar pelo caminho, sejam oportunidades, eventos ou pessoas. Sendo assim, precisamos nos adaptar ou encarar a situação da melhor maneira possível. É por isso que como as viagens e situações, que por menores que forem, conseguem nos preparar para algo maior na vida.