
Eu me lembro de uma cena romantizada na minha mente, que criei depois de ler uma matéria da Vogue US sobre mulheres recém-casadas (esse detalhe era importante) que não queriam ser apenas "Mrs. Someone". Elas queriam empreender e tinham o charme, as ideias e as conexões a favor delas. Não tenho a menor ideia se elas tinham todo o resto necessário para empreender, foquei em uma passagem do texto que falava sobre a nova dinâmica de um casal de recently married de NY, que dizia que a mesa de jantar tinha virado o espaço de trabalho com planilhas e planos de negócios espalhados.
Eu queria viver isso, eu fiz tudo que podia para replicar esse cenário, até me casar com meu namorado, o que claramente foi uma péssima ideia. Começar uma vida juntos é somar responsabilidades e não dividir, como alguns podem pensar. E o peso das responsabilidades cai sobre quem tem mais flexibilidade, normalmente a mulher, principalmente se ela se encontra nesse cenário das planilhas espalhadas sobre a mesa de jantar. Em que momento o trabalho dela se torna sério o suficiente para não ser colocado em segundo plano sempre que surgir algo mais urgente? Qual o critério que define isso? Quando ela começa a dividir as contas da casa? Quando ela recebe dinheiro de investidor? E se o trabalho não oferecer nada disso, mas ocupar boas 8h da mulher, ela sempre vai dizer sim para todas as demandas?
Há 10 anos atrás, Anne-Marie Slaughter escreveu o texto mais lido do The Atlantic até hoje. Why Women Still Can't Have it All. Na época ela era a first woman director of policy planning at the State Department do governo Obama. No texto ela fala sobre a dificuldade de escolher entre duas versões da mulher que são incompatíveis, ser super profissional e focada na carreira e uma super mãe, principalmente quando seu filho mais precisa. O texto recebeu uma visibilidade absurda na época e críticas e elogios constantes, alguns anos depois o marido da Anne-Marie escreveu outro texto falando sobre o primeiro artigo da mulher dele, que brilhantemente resumia que para o mercado de trabalho mudar de fato, os homens precisam ter mais responsabilidades, é o único caminho possível, viável, real.
Essa cenário de que mulheres podem tudo - e sem esquecer que essa ideia considera que todas querem ser mãe, é um conceito antigo de "feminista, mas nem tanto". Na época da Belle Époque, quando as mulheres começaram a conquistar alguma liberdade, existiam duas revistas francesas “La Vie heureuse” (The happy life) e a Femina, que incentivavam as mulheres a serem várias coisas, com múltiplos interesses, mas não sem deixar a feminilidade de lado. Work-life balance já era debatido há mais de um século atrás, porque foi quando as mulheres começaram a dirigir, a jogar alguns esportes, a se divorciar… Foi a primeira vez que as mulheres começaram a ser retratadas como intelectualmente capazes e relevantes como os homens. Na época as questões eram mais urgentes que as de hoje, o sufrágio só veio em 1945 na França e no Brasil em 1932. É muito estranho pensar que minha avó nasceu em um mundo em que mulheres ainda não podiam votar.
Este mês vamos falar sobre a intersecção entre esses dois universos, a mulher e a maternidade e o mito da work-life balance. Queremos discutir tudo, don't be shy. O que você quer saber? Quais são suas dores? O que você quer dividir? See you around.
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