Sobre puerpério: Precisei esquecer quem eu era para depois me encontrar como mãe.

#agoraquesoumãe

Puerpério. Tá aí uma palavra que eu não conhecia antes da gravidez. E se já tinha ouvido em algum lugar, não fazia ideia do quão forte ela é. É muito simples achar várias definições no Google: “um ciclo no qual as mudanças causadas pela gravidez devem ser restituídas ao seu estado anterior de não-grávida. Todas estas transformações não se limitam às funções fisiológicas ou endocrinológicas (hormonais), também afetam o seu emocional”, diz um site. Mas, será mesmo que meu estado anterior à gravidez me será devolvido? Já não sei se meu corpo será o mesmo e tenho quase certeza que minha mente não voltará a funcionar como antes.

Me senti completamente fora de mim nas primeiras semanas do Francisco em casa. Naquele começo, a montanha-russa hormonal somada à privação de sono me deu a impressão de que eu estava numa bad trip, meu corpo e minha mente não estavam sintonizados. Não me senti exatamente triste ou melancólica, mas sim desconfortável no meu próprio ser, como se estivesse usando roupas de outra pessoa, três tamanhos diferentes do meu. Só conseguia pensar que eu não era mais aquela pessoa “pré-14 de maio de 2019”, a data do nascimento do meu filho, e que gostaria de voltar a ser ela.

Confesso que com tanto sono e cansaço acumulado, cheguei a pensar em coisas absurdas como: “se eu fosse atropelada ao atravessar a rua, nada grave, poderia ir parar no hospital e dormir uma ou duas noites inteiras por lá enquanto cuidavam do meu filho sem que eu me sentisse culpada” (aliás, a culpa é o novo sentimento que vivencio dia sim/dia não). Obviamente, eu tinha consciência que aquele pensamento não tinha a menor chance de ser levado a sério, mas sabe aquelas ideias que surgem sem que a gente possa controlar? Dali pra frente, eu teria mais alguns desses pensamentos, como pequenos planos de fuga para me encontrar de novo.

A saída que descobri para passar por aqueles primeiros dias de puerpério foi exatamente o oposto do que eu buscava: foi parar de resistir. Coloquei na minha cabeça que em vez de pensar em como fugir da situação, era hora de aceitar que por um breve período na minha vida a única coisa que eu seria era a mãe do Francisco, sem olhar para a janela e pensar na vida lá fora. Não seria mais a Kanucha, jornalista, amiga, irmã, esposa ou qualquer outra coisa. Meu trabalho full time, sem folga ou descanso, era estar 100% à disposição dele - e assim foi por algumas semanas (que pareceram anos), até que a amamentação foi se acertando aos trancos e barrancos e o sono picado virou o menor dos meus problemas.

Francisco está prestes a completar 3 meses e com o passar do tempo voltei a acessar aquelas outras esferas de mim. Consegui ir ao cinema, saí para jantar com meu marido e com amigos e, vejam só, até voltei a escrever. A impressão é que foi preciso me anular por um tempo para que uma nova pessoa fosse formada. Por causa da amamentação (eu ainda não tiro o meu leite para pular alguma mamada), ainda estou quase inteiramente à disposição dele – mas hoje não sinto isso como algo negativo, até comecei a curtir as mamadas da madrugada, em que a gente fica olho no olho no escurinho do quarto dele –, mas posso dizer que esse “quase” faz toda a diferença. Faz com que esse momento de transição comece a ficar um pouco mais suave.

Acho pouco possível que o estado anterior à gravidez volte para mim, me seja restituído. Não serei mais como antes e não vou mentir dizendo que a mãe que está se aflorando em mim é tudo o que eu queria da vida. Às vezes, quando minha irmã me liga em um domingo às duas da tarde falando que acabou de acordar e que está morrendo de ressaca eu penso: “nossa, que saudade disso”. Mas acredito que tudo vai se alinhando, que algumas coisas sejam devolvidas e outras fiquem lá, no meu eu do passado… Infelizmente ou felizmente!

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