Quando a mãe da Helena decidiu fazer um mochilão aos 52 anos de idade.
Enquanto as pessoas ainda tentam descobrir se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha (aliás, já conseguiram resolver esse enigma?), eu me pergunto se wanderlust é algo genético. Se fernweh é algo genético… ou seria astrológico? Mas eu não tenho sagitário no meu mapa, como então eu gostaria tanto de viajar? Existem tantas perguntas e poucas respostas. Por exemplo: Como a minha linha que fala sobre casa passa em cima da área de Boston e eu considero pessoas como lar? Como eu nunca quis vir pra Boston e hoje eu amo esse lugar? Como ontem aconteceu algo comigo IGUAL aconteceu com os meus pais na década de 1980? Tem coisas que o mundo não explica, né? Pois bem, eu sei.
O mundo também não explica porque os médicos da família mandam as pessoas fazerem biópsia justo na semana do meu aniversário… é verdade, e foi assim que aconteceu em 2018. Eu estava às vésperas de vir para Cambridge, onde eu ficaria por 8 meses, minha mãe resolveu sentar e conversar comigo falando que tinha encontrado um problema no exame dela e que ela deveria fazer uma biópsia. Minha ficha só caiu enquanto eu esperava por ela na sala de espera e via aquelas pessoas com olhar ansioso, temeroso, rezando, aflitas.
Minha mãe saiu da sala do exame SORRINDO. Bom, se você não conhece minha mãe, vai saber que ela sempre foi de fazer graça com as coisas. Ela olhou pra mim e disse: “Você vai ver, não vai ser nada”, e minutos depois começou a fazer piada e contar histórias. Eu não sei se você acredita em lei da atração ou não mas lá em casa tudo que a mamãe fala, acontece. Papai até tem um certo receio disso.. E não é pelo fato dela ser mãe, porque isso começou logo cedo quando eles ainda namoravam, mas tudo que ela fala realmente acontece.
Mamãe foi minha mãe aos 25, eu já tenho mais idade do que ela tinha quando eu nasci. Vovó foi mãe de mamãe também aos 25. Quando eu fiz 25 elas olharam pra mim comentando o fato e eu respondi: “Com 25 eu vou ter um cachorro”, tempos modernos até mesmo porque ainda não tá na minha hora. Cada uma com seu fuso-horário, penso eu. As pessoas sempre comentam que mamãe é nova, e brincamos que ela dorme no formol porque não mudou nada desde quando era jovem. O real motivador por trás desse texto é que hoje, aos 52, mamãe foi fazer um mochilão pela América Latina. Isso mesmo, um mochilão com mochila nas costas e saco de dormir. Dormindo no chão… porque ela quis conhecer Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude no Panamá.
Estávamos tomando café da manhã em minha casa quando ela olhou pra mim e pro meu irmão e falou: “Tenho uma novidade: Vou para a JMJ no Panamá. Agora preciso de ajuda pra comprar um saco de dormir e arrumar as coisas”. Meu queixo caiu e acho que até hoje ainda está caído. Eu ainda não tinha recebido minha carta de Harvard, então não sabia se tinha sido aprovada ou não. Mil perguntas passavam pela minha cabeça.. Eis então que meses depois veio o pedido do exame. Nossa tia estava ainda se recuperando de seu tratamento, mas mamãe olhava pra mim e falava: “Eu não tenho nada, sabe por quê? Eu preciso fazer essa viagem e nada vai me impedir”.
Ela disse que não iria me falar o resultado porque não queria que eu deixasse de viver nada durante a experiência. Então, só ia abrir o envelope quando eu estivesse aqui. Acontece que ela abriu no dia do meu embarque e saiu correndo pelo corredor do apartamento, agradecendo e falando: “Eu sabia! Eu sabia!”.
Em tempos de Elizabeth Gilbert e Cheryl Strayed, mulheres que fizeram longas jornadas por conta própria entre os 20-30 anos, me orgulha muito falar que minha mãe aos 52 está embarcando em uma. Eu não preciso buscar exemplos de mulheres incríveis longe de mim.. Eu as tenho bem perto, na minha casa. Ela que disse que não estaria doente porque precisaria fazer essa viagem, ela que pegou uma mochila com saco de dormir e foi para o Panamá. Ela que nunca viajou sozinha, embarcou nessa aventura com um grupo de pessoas como ela, e foi. Acredito que talvez quem criou o termo Juventude para tal evento não tenha se referido ao jovem físico, e sim de espírito.
Mamãe não gostava de viajar, ela ficava apavorada com ideia, hoje em dia ela ama. Será que esse gene está nela e eu herdei ou será que nós nos influenciamos? No dia que ela viajou postei no instagram uma foto de nós duas no meu aniversário de um ano, dizendo: “Mãe, não solta minha mão não... vc nunca foi em nenhum lugar sem mim. Vai, mas responde o whats todo dia, tá? Eu ainda preciso saber se posso lavar cinza com colorido... aquela sua opinião na bolsa... ou apenas descobrir porque meu arroz empapou! Mas vai sim.. aproveita. Eu te amo ”
Uma vez disseram a minha mãe que não saberiam ser minha mãe porque eu estava sempre viajando, sempre longe. Ela disse que tinha o maior orgulho de mim, porque sabia que embora eu estivesse longe estava sempre pertinho. Ela me criou pra ser do mundo. Hoje é meu dia de falar pra minha mãe que eu adoro o fato dela ser assim (mais corajosa do que eu) e que eu consiga ser um dia como ela. E que, embora estejamos longe, estamos sempre pertinho.