Guilty Pleasures: os pequenos prazeres da vida cheios de culpa
Something out of a conversation. Mês passado, no meio do Carnaval prolongado forçado tive uma surpresa com o video da Camila Cilento falando sobre o Lolla no Stories do Instagram dela. Camila já apareceu por aqui no Outfit Affairs, mas esse ano ela é a protagonista desse texto delicioso sobre guilty pleasure, aquele prazer que vem sempre acompanhado de uma culpa. O racional precisa estar sempre presente? Just chill.
Por Camila Cilento
Guilty Pleasures é uma expressão que usamos muito em inglês e que em tradução livre seria algo como prazer vergonhoso. Sabe aquela ida ao salão de beleza na hora do almoço, o momento na frente da TV vendo um programa “fútil”, ou a taça de vinho que você tomou todos os dias da pandemia... Entrariam também nessa categoria o romance que você lê nos intervalos, a caminhada mais longa só para namorar vitrines, o cafezinho no meio da tarde, a soneca fora de hora e a escapada das obrigações só para curtir os seus filhos: todos aqueles pequenos grandes prazeres da vida.Tenho pensado muito na semântica recentemente e em como palavras e expressões que a gente usa sem pensar mudam a interpretação de determinadas ações e, com isso, fiquei presa justamente nessa expressão guilty pleasures. A verdade é que durante a pandemia esses pequenos grandes prazeres se mostraram ainda mais essenciais para aguentar a pressão de tudo o que está acontecendo ao nosso redor. A pergunta que me veio a mente foi justamente por que esses pequenos prazeres teriam que, necessariamente, vir acompanhados de culpa? Será que deveríamos realmente chamá-los de guilty pleasures? Vou voltar um pouco a fita para um momento anterior à pandemia. Naqueles tempos – adoro quando consigo usar essa expressão bíblica – nós ainda frequentávamos o escritório: aquele ambiente coletivo em que todos, além de trabalhar, trocavam dicas de filmes, falavam sobre futebol e contavam histórias engraçadas sobre suas vidas. Eu trabalho num ambiente predominantemente masculino em que era absolutamente normal trocar o noticiário pela partida ao vivo de futebol nos telões espalhados pelo salão. Ninguém seria recriminado se ali parasse em frente à TV para ver o jogo inteirinho e, digo mais, muitos o faziam sem a menor parcela de culpa. Mas quando eu me pego num site feminino qualquer assistindo ao último desfile da minha Maison francesa favorita – que dura aproximadamente 10 minutos – acabo cheia de culpa, além de assistir o tempo todo numa telinha pequenina e com o cursor pronto para minimizá-la caso necessário.Tanto o jogo de futebol, quanto o desfile de moda entrariam na mesma categoria de pequenos grandes prazeres da vida. Acontece que o jogo passa em todos os telões do escritório, afinal de contas é só um jogo, e todos tem a oportunidade de aproveitar essa experiência coletiva, comemorando a cada lance, ao passo que o desfile fica reservado a uma telinha de navegador de internet pequenina e que pode ser minimizada em um piscar de olhos. Não me entendam mal, mesmo que a ideia de assistir ao desfile no telão me pareça absolutamente incrível, o meu ponto não é esse. Eu gosto de analisar esses fatos em paralelo, pois eu acredito que vivenciar esses pequenos grandes prazeres sem culpa começa com a forma que nós mesmos os abordamos e os categorizamos.Isso é super comum entre as minhas amigas. Colocamos esses prazeres nessa linda categoria: guilty pleasures. Então, quando eu decido reservar um pedaço da minha mente e do meu tempo para um desses prazeres, sem pensar, eu já o faço alocando, ao mesmo tempo, uma pequena grande parcela de culpa. E para completar eu também agrego o rótulo fútil a ele: não basta a culpa, preciso também deixar bem claro que eu sei que aquele romance delícia que eu estou lendo no lugar da “The Economist” é fútil. Estamos vivendo uma época extremamente difícil. Não conheço ninguém que não tenha tido a sua vida afetada pela pandemia. Entendo completamente o meu privilégio e não vou reclamar das longas horas de trabalho na qual não há um limite entre a minha vida profissional e a minha vida pessoal. Afinal de contas, eu ainda tenho um trabalho. Mas o fato é que esse medo constante de um vírus que nós não entendemos e que afeta a vida de todos ao nosso redor é um lembrete permanente de que temos que estar sempre alertas. Desde março do ano passado vivemos nessa incerteza e tristeza constantes e o que eu percebi diante de todos os desafios da pandemia é que os nossos guilty pleasures vêm ainda mais carregados com algumas parcelas adicionais de culpa. Contei ontem em um stories no Instagram sobre como eu amo o The Lolla justamente por me permitir descansar a mente e curtir uma futilidade e, ao mesmo tempo, discutir assuntos de extrema importância. Me chamou a atenção um comentário que dizia que nessa época tão triste não fazia sentido mais dedicar seu tempo a futilidades, pois parecia egoísta demais. Acho que cada um tem a sua forma de processar o estresse e a tristeza, mas no meu caso eu percebi que sem os pequenos grandes prazeres, a vida em alerta é simplesmente insuportável. Então para a saúde mental de todos proponho, por meio desta, que a gente revise essa expressão guilty pleasures e que nós nos isentemos da culpa desses pequenos grandes prazeres. Cultivar aquilo que nos traz alegria sem esse peso é essencial para ficarmos bem. Então, hoje mais do que nunca, é muito importante que nos identifiquemos aqueles pequenos grandes prazeres para investirmos conscientemente uma parte do nosso tempo a eles. Trazer leveza e paz momentânea para uma mente extremamente ocupada é absolutamente essencial. E mais essencial ainda é fazê-lo sem se sentir culpado porque deveria estar assistindo ao noticiário. Se tem um aprendizado que esses tempos desafiadores me trouxeram é perceber que desligar a mente por algumas horas todos os dias é tão fundamental quanto respirar ou comer. Mas esse desligar não pode ser uma inércia. Para o fazer valer, deve ser feito de forma consciente. Nas minhas horas livres não existem mais guilty pleasures, eu agora troquei essa expressão por rituais de bem-estar e reservo um momento para eles todos os dias.