Seria a atual edição do Big Brother Brasil a versão 2021 do livro de George Orwell, 1984?
Seria a atual edição do Big Brother Brasil a versão 2021 do livro de George Orwell, 1984? Seria Boninho, diretor geral do programa, genial e especialista em escolher participantes que escancaram o pior das pessoas e dos limites da convivência em grupo?Por mais que você não goste nem acompanhe o BBB, impossível que não tenha lido ou ouvido falar desta edição, que vem provocado debates acalorados que movimentam as redes sociais. Se nas anteriores, as pessoas gostavam de acompanhar as famosas “tretas”, como em 2020, quando 2 influencers - Bianca Andrade e Rafa Kalimann - iniciaram uma briga em razão de uma deixar de seguir a outra no Instagram. Sim, para quem gosta, o programa sempre rendeu boas risadas e as pessoas torciam por seus favoritos. Agora, o sentimento mais forte é da revolta, além do mal estar de ver o que está acontecendo. E olha que a atração acabou de completar 1 semana.
Totalitarismo de ideias
Bom, em 1999, a produtora Endemol criou o programa, no qual muita gente sempre viu semelhanças com o livro de George Orwell, mas, inspirado ou não, esta edição brasileira traz a tona um tema tratado no livro: o totalitarismo. No caso, o totalitarismo de ideias. Uma participante que de forma impositiva conduz a casa, julga os demais e despeja sua ira contra quem discorde, sempre apoiada por seu séquito e sob a justificativa de ser uma mulher forte e que luta pelos seus ideais e seus protegidos. Lá dentro, o seu discurso é aceito ou, pelo menos, não contestado de forma mais vigorosa. Melhor passar despercebido do que despertar a ira.Se o público já elegeu a vilã, ainda faltam candidatos ao posto de herói ou heroína. Nesta versão global de Caverna do Dragão, por enquanto, só temos o Vingador, talvez um Uni, mas ninguém ainda aponta para se tornar o Mestre dos Magos e Boninho conseguiu que seu programa movimente todas as redes sociais, traga engajamento como em nenhuma outra edição, tudo por apresentar personagens que escancaram a incoerência dos extremistas.Além daqueles que se calam diante de injustiças, no melhor estilo: desde que não seja contra ele, está tudo bem e não é caso de se meter. Os famosos isentões. Sim, mais do que o desejo de torcer por candidato ao prêmio de um milhão e meio de reais, hoje o programa mostra aquilo que não se quer ser. Para contextualizar, alguns momentos que você não acreditaria que seriam expostos em rede nacional, a não ser em novelas, quando você poderia achar que era exagero ficcional.Já na primeira festa, de forma agressiva, o ator Lucas tentou buscar aliados para promover a separação da casa entre pretos e brancos, além de apontar, sem qualquer justificativa, quem seria alvo do seu voto e que não deveria estar ali. Em poucas horas ele conseguiu desestabilizar praticamente todos da casa, e em outro episódio chocante, ele comparou a participante Kerline a Stalin, após uma simples rejeição amorosa. Se no final de semana, ele foi alvo do cancelamento do público, e até da própria assessoria de imprensa, que soltou um comunicado informando que estava abandonando o cliente, em uma reviravolta radical, nós fomos apresentados a forma mais brusca de defesa de ideais por parte da cantora Karol Conká e seus aliados, e assim, o até então vilão passou a ser a vítima da edição.Ele não é santo, mas ela resolveu que também não merece perdão e ainda, aparentemente, acredita que torturá-lo psicologicamente seja uma forma válida de puni-lo pelos erros que cometeu. Nada como o confinamento e câmeras 24hs para desnudar militância equivocava e julgamento seletivo. Hoje, o público não assiste apenas a edição de todas as noites, mas acompanha pelo pay-per-view e reverbera nas redes sociais tudo que acontece, desde a hora que eles acordam.
Medo do cancelamento
Aprendizado raso também está evidenciado. As historiadoras contratadas pelo artista Fiuk para lhe ensinarem sobre body shaming, feminismo, construção de padrões de beleza e autonomia feminina, história afrocentrada e antirracista, já se manifestaram sobre as distorções que estão vendo e reproduções equivocadas de suas aulas.Sim, elas não podem ser responsabilizadas pelo que ele absorveu, pois, interromper a fala de mulheres, aconselhar Carla Diaz a dar espaço e não forçar aproximação por ser “mulher branca e privilegiada” foge totalmente do que suas professoras tentaram lhe ensinar.E qual a razão de alguém contratar professores e fazer coaching como vários participantes fizeram? Medo do cancelamento. O bicho papão da atualidade, que faz com muitos se calem diante da fala daqueles que consideram mais entendidos ou populares, por mais incoerentes que sejam. Afinal, para os canceladores, se você não pensa igual a eles, então você é errado e não merece ter voz. No totalitarismo da casa, o grupo que manda decide quem se comporta da maneira certa ou errada. Da mesma forma que acontece aqui fora, lá o cancelamento e o julgamento também são seletivos, aquele que aponta, é o mesmo que passa pano, tudo depende de quem praticou o ato.
Sobre Preconceito
Um exemplo ocorreu na primeira ação da marca de cosméticos patrocinadora, que acabou virando um grande debate sobre transfobia. O questionamento era válido? Com certeza, mas se voltado contra todos os que participaram da dita brincadeira. Entretanto, a crítica foi direcionado a apenas um, no melhor estilo: “Você não pode, os demais sim”. Tal julgamento causou estranheza do público, pois, ou o comportamento de todos incomoda por ser errado brincar desta forma, ou então, errado é quando não são os seus amigos que brincam.Outros momentos de “brincadeiras” com religião, tratamento das demais mulheres, preconceito contra o sotaque nordestino e comportamento efusivo não foram incômodos para a psicóloga baiana Lumena. Aparentemente, por serem falas e brincadeiras praticadas pela sua amiga Karol. Sob o medo de não ser cancelado, dentro e fora da casa, atitudes e afirmações equivocadas afloram, como quando Fiuk, com lágrimas nos olhos, disse que “ser pobre é uma delícia”, algo que ele, filho de cantor famoso, nunca foi.E quando, para cumprir o castigo do “monstro” (quando 2 participantes precisam usar roupas e fazer certas atividades determinadas pela produção), o educador físico Arthur pediu orientação de como se portar com a fantasia de bailarina para não ofender ninguém nem se queimar com o público. No totalitarismo do BBB, não é a produção que decide, mas os canceladores.Eles decidem o que gera ou não expulsão, como quando ponderaram que jogar água na cara do outro não teria problema. Só falta avisar a produção. Definem até mesmo quem pode se sentar a mesa durante as refeições, como quando Karol resolveu almoçar e tanto fez e xingou, até que Lucas se retirou do local, ainda que, por separação dos grupos conforme determinado no jogo, ambos teriam direito de estar naquela mesa.E o público diante disso?Bom, primeiro é preciso lembrar que, antes mesmo do programa começar, assim que foram anunciados como participantes, parte dos fãs do programa já tinha “cancelado” alguns por atitudes e posicionamentos aqui fora, e eleito seus favoritos com base na sua figura pública, inclusive inflando o número de seguidores nas redes sociais dos seus preferidos. Mas, o jogo virou, não é mesmo? É com ojeriza que agora enxergam a verdadeira face de todos. Sim, estamos conhecendo bem cada um deles e levantando o questionamento: vale tudo para defender seus ideais?Perplexos assistimos os comportamentos mais abusivos sem que ninguém se rebele ou critique abertamente. Sim, quem não assiste, pode se perguntar: E ninguém faz nada? A resposta: não, não faz. Os participantes apoiam ou se omitem, fugindo do confronto, talvez por medo de se tornar o próximo alvo. Independe de raça, gênero ou orientação sexual, o que importa é o julgo de quem se coloca na posição de vingador ou dono da razão.Lutar pelos seus direitos, seu lugar de fala, pela sua forma de pensar é importante, mas não dá direito a ninguém a agir de forma até pior do que aqueles que se combate. Ser militante não é errado, entretanto não dá passe livre para humilhar o próximo. O programa mostra como realmente funciona a mente de um extremista, que justifica todos os seus atos como sendo coerentes e condizentes com os ideais que defende.
Teoria da sinalização de virtude
Outro ponto a se destacar é que o programa comprova a teoria da sinalização de virtude. Se aqui fora alguns participantes são conhecidos por levantarem certas bandeiras e defesa de causas, transparecendo a ideia de um comportamento louvável, bastaram poucos dias dentro da casa, para agirem de forma totalmente contrária, agindo contra tudo que propagam. E o preço de tamanha exposição? É alto. Desnudar-se em rede nacional não é garantia de primeiro lugar e prêmio em dinheiro. Mas, já faz um bom tempo que os candidatos descobriram que mesmo sem o pódio, a exposição pode levar a uma mudança positiva de vida. Sabrina Sato, Grazi Massafera não são exceções, mas expoentes de um grupo que usou o programa como degrau para mudança positiva, dividindo-se naqueles que alcançaram uma qualidade de vida que não tinham, os que se descobriram em novas profissões, os que se tornaram especialistas em participação neste tipo de programa, e até aqueles que ainda vivem da fama de ex-BBB.Na verdade, até poucas edições passadas, raros eram os casos de participantes que foram prejudicados pela participação. Com o avanço das redes sociais, que se tornaram o grande megafone do programa alçando ao estrelato seus favoritos, e rejeitando de todas as formas os seus cancelados, então é que aumentaram os relatos de participantes que sofreram as consequências do comportamento que tiveram na casa.A revolta deste ano é tamanhã que, muita gente famosa já se manifestou contra certos participantes, e militantes de causas que os participantes rejeitados sempre foram associados, precisam verbalizar que aquele comportamento não é condizente com a militância e que não é apoiado por ninguém.. Hoje, as assessorias de Karol Conká, Lumena, Fiuk (por enquanto, mas a lista tende a aumentar) trabalham arduamente para manter o número de seguidores, e defender que após o programa, o participante tenha a chance de se redimir e entender o peso de suas palavras e ações.Assim, a luta é lembrar ao público que o cancelamento e a disseminação do ódio não ajudará ao participante a mudar seu comportamento e entender seu erro. Mais uma vez Boninho ri e debocha dos fãs do programa, afinal ao se incomodar com as atitudes praticadas lá dentro por Karol Conká e seu séquito, aqui fora muitos repetem o mesmo comportamento, fazendo o mesmo: combatendo com agressividade e cancelando quem erra.É impossível não se indignar e ser neutro diante do que se vê la dentro. Mas, será que cancelar essas pessoas é a única solução possível? O programa mais do que entreter, também é uma forma de discutirmos as relações humanas. Os últimos tempos estão marcados por lados que tentam se manter em extremos, rechaçando tudo que se associa ao outro. Agora, que a lupa do Boninho nos mostra a crueza e feiura deste tipo de comportamento, talvez seja hora de começarmos a rever a forma de interagirmos, e realmente nos tornarmos acolhedores, não apenas propagarmos virtudes em redes sociais, sem praticá-las.Quanto ao programa, a primeira eliminação pode ajudar quem ficar na leitura do jogo, mas este é apenas o início desta edição. Provavelmente, muita gente ainda vai mostrar falhas que não gostamos de ver, assim como outros ganharão afeição do público. Quem acompanha o programa aguarda as cenas dos próximos capítulos, pois uma das grandes emoções é ver um participante que se acha coberto de razão descobrir que o público não está validando o que ele faz la dentro.Também, só com o passar dos dias para sabermos se ainda dá tempo de se redimir e ganhar o perdão do público, ou se aos cancelados só restará a derrota.Pensamentos sobre isso? Vamos papear nos comentários?